quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A Clavícula


O primeiro osso que estudei nas aulas de anatomia prática foi a clavícula, e este texto não sendo uma declaração ao primeiro amor anatómico, é uma atenuante por tardiamente me ter apercebido da sua tamanha importância.  

A clavícula tem o desenho de um S, é um S quase horizontal, embora se observem umas clavículas deitadas, outras muito inclinadas, indicando que dependendo da nossa postura existe uma vasta possibilidade de horizontalidades das clavículas.

A época da praia é a ideal para a observação destas horizontalidades. Umas mostram-se sem medos, outras mais reservadas deixam revelar apenas uma das extremidades, e outras, mais tímidas, escondem-se entre as camadas de tecidos moles que as envolvem.

A delgada clavícula, mais tímida ou mais extrovertida, é capaz de movimentos simples, que combinados entre si, geram movimentos incríveis. Quando movimentamos o ombro, a clavícula acompanha-o com esta combinação de movimentos, meneando-se como o apoio fundamental de que o braço necessita.

É importante não esquecer que esta sustentação dos movimentos do braço é realizada em parceria eficaz com a vizinha de trás, a omoplata. Mas hoje a clavícula tem exclusividade.

A clavícula também se articula com o esterno, o fiel escudeiro do coração, e uma primeira apreciação anatómica diz que a grande relevância deste osso é fazer a ligação entre o centro do corpo, quando se articula com o esterno, e o membro superior, na articulação do ombro. 

Desta união entre a clavícula e o esterno, surge o músculo mais conhecido dos portugueses, o esterno-cleido-mastoideu, que chega até à cabeça. Este é um dos exemplos anatómicos que mostram a dimensão das relações das estruturas entre si, porque se a clavícula e a cabeça não se tocam, a verdade é que se relacionam de uma forma mais directa do que se poderia imaginar à partida.

Para além dos músculos importantes que passam ou têm origem na clavícula, que tanto se podem relacionar com o ombro, quanto com o peito, o pescoço ou a cabeça, este fino osso cumpre outras tarefas igualmente dignas. A clavícula adianta-se e protege uma pontinha do pulmão e o importante tronco de nervos e artérias que seguem pelo braço e lhe dão vida e alimento.

Por esta altura do texto, o paciente leitor deve perguntar-se por que razão a fotografia de uma chave para falar de um osso. Porque a palavra clavícula, originária do Latim, significa pequena chave. Entre algumas versões que tentam explicar o porquê deste nome, escolho as duas de que gosto mais. 

A primeira, bastante razoável, porque um dos movimentos de que a clavícula é capaz é de girar sobre o seu próprio eixo, tal e qual como uma chave. A segunda, mais poética, os anatomistas antigos acreditavam que a clavícula seria o primeiro osso a formar-se no feto e o último a decompor-se após a morte física, tornando-se a chave que abre e fecha as portas da vida.

Abrindo ou não as portas da vida, criar espaço entre as nossas clavículas é dar espaço aos pulmões, a nervos e artérias, é alongar o pescoço, é permitir maior amplitude e fluidez nos movimentos dos ombros, é abrir o peito e soltar amor, compaixão e alegria.

Vamos dar à chave?